O primeiro decênio dos anos 2000 marca um período histórico no processo político no estado do Piauí. Onde o ataque voraz ao erário do estado, o nepotismo, a corrupção, o fisiologismo partidário, a manipulação de resultados em concursos, além da associação explícita entre o legal e o político – a lei é uma das formas fundamentais da ação política – ganharam tons vermelho-amarelados, em nome do poder a qualquer custo.
Em detrimento, por exemplo, da fome e da sede de mais de 300 mil piauienses vitimados, há séculos, pela seca natural, mas, principalmente, pela desumanidade de corjas familiares que expropriam vidas em nome de Deus e do diabo, para ocuparem cargos e funções públicas, cuja competência e a meritocracia dos postulantes são questionáveis na medida em que se utilizam de meios ilícitos para tanto.
No Brasil, a prática política, enquanto a arte de lidar com o poder numa perspectiva dos interesses individuais e coletivos, tem se mostrado como uma das facetas da singular formação do Estado nacional, cujas origens mais remotas estão nas raízes do Império Português, tendo como resultado um processo histórico no qual há uma forte tendência de consolidação de uma ordem patrimonial de matriz medievo – em Max Weber, que associa, como ideia principal, o trato da coisa pública pela autoridade como se privada fosse.
No Piauí, o rastro de suspeições deixado pela escolha política da nova conselheira do TCE e os resultados dos concursos da UESPI e da SESAPI são evidências do fortalecimento e sobreposição do Poder Executivo em relação ao Judiciário e o Legislativo, através de um príncipe tirânico, antidemocrático, déspota e que se posta acima de tudo e de todos com a espada da indistinção público/privado.
A sede de poder tirânica cresce e se consolida através da cooptação do Legislativo, que, na prática, representa os interesses de uma pequena minoria. Desse modo, os representantes do povo ignoram o dever constitucional de fiscalizarem em troca de favores ou interesses políticos a despeito de greves e supressão dos direitos dos servidores públicos.
Ainda mais com um Judiciário débil, inerte e feito refém do Executivo, que deveria zelar pelo cumprimento das Leis e da Constituição Federal, mas que sequer consegue com que suas decisões sejam cumpridas para dirimirem as suspeições, por exemplo, em processos de seleção do conselheiro do TCE, ou do resultado de um concurso para servidores da SESAPI e de novos docentes para a Universidade Estadual do Piauí, explicitamente viciados.
Na democracia à brasileira o que vige nas Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e Congresso Nacional, bem como no Executivo e no Judiciário, é a máxima de “ou locupletemo-nos todos ou restaure-se a moralidade”. E os seus discursos hipócritas servem apenas para manter e alienar eleitores descrentes da política.
Se no nível nacional uma “cachoeira de corrupção” desnuda a falsa decência no Senado, no nível estadual, sem medo de ser feliz, a ascensão patrimonial de alguns surpreende pela habilidade de silenciarem aqueles que deveriam fiscalizar riquezas meteóricas, já que o enriquecimento honesto é inviabilizado pela alta tributação nacional.
Parafraseando o poeta popular Ednardo: “Eles são muito, mas não podem voar…”. Sem méritos próprios tudo é farsante e dói se enxergar no espelho da autoconsciência e crítica.
Por ARNALDO EUGÊNIO – Doutor em Antropologia