Brincadeira da queixada, jogo de china, pista de tampinhas. Embora pouco conhecidas por muitos brasileiros, essas são algumas brincadeiras comuns no dia a dia de crianças do país. Baseadas em aspectos culturais, passadas de pais para filhos ou usando peças construídas pelos próprios meninos e meninas, as diversas formas de brincar estão presentes onde existem crianças. Para mostrar ao Brasil as sutilezas desse universo lúdico, que também carrega elementos associados à cultura e à educação, diversas dessas brincadeiras estão sendo mapeadas pelo Projeto Território do Brincar.
Por meio da iniciativa, que acaba de completar um ano e é apoiada pelo Instituto Alana, são feitas visitas, que duram até três meses, a comunidades rurais, indígenas, quilombolas, do sertão, do litoral e grandes metrópoles. Após a conclusão do projeto, em dezembro, todos os dados serão transformados em filme, livro e exposições.
De acordo com a educadora Renata Meirelles, coordenadora do Território do Brincar, o objetivo é captar as nuances da infância brasileira, que reflete e espelha o povo que somos. “É um trabalho de escuta, intercâmbio de saberes e difusão da cultura infantil que nos ajudará a discutir melhor a infância, o brincar, o mundo real e a traduzir a voz das crianças, conhecendo nosso país pelos olhos delas”, disse a educadora que viaja acompanhada do marido, o documentarista David Reeks.
Ela enfatizou que, apesar dos coloridos regionais que as brincadeiras ganham nos diferentes locais do país, há uma forte conexão entre todas as formas de brincar: “o imaginário infantil as conecta de uma forma muito forte”, garante.
Além disso, segundo a educadora, a observação do universo lúdico infantil revela que, apesar de toda a influência mercadológica a que as crianças estão submetidas, como as diversas estratégias de marketingassociadas à compra de brinquedos, os objetos industrializados, cheios de efeitos sonoros, visuais e de tecnologia, não são indispensáveis à diversão.
“O brincar é fundamental para criança, que brinca muito em todas as regiões, mas não o brinquedo, que é muito mais uma necessidade do adulto e da indústria. É uma produção pensada pelo adulto para a criança, que, na verdade, tem toda a competência e muita qualidade para desenvolver o brincar de diversas formas que não dependem do brinquedo”, disse, lembrando ainda que em muitas comunidades visitadas as crianças utilizam elementos regionais para produzir artesanalmente seus próprios objetos de diversão coletiva.
É o caso do menino Emerson, morador do bairro do Arraial, em Araçuaí, pequeno município do interior de Minas Gerais, a cerca de 650 quilômetros da capital Belo Horizonte. Dono de uma criatividade própria da infância e de muita disposição para dar asas à imaginação, ele cria brinquedos com madeira encontrada nas casas dos vizinhos. Segundo Renata Meirelles, “ele é do tipo que carrega o brincar consigo seja lá onde for”.
Experiência semelhante foi observada pelo casal em Acupe, distrito do município de Santo Amaro da Purificação, localizado no recôncavo baiano. Os meninos que vivem na comunidade de origem indígena e africana, conhecida por suas manifestações culturais criadas por negros escravizados, usam cacos de telha e gravetos para construir, no chão de terra, pistas de corrida para tampinhas de garrafas, que substituem os carrinhos. O vencedor do jogo, baseado em um conjunto de regras simples, é aquele que chega primeiro ao fim da pista batendo sua tampinha na telha.
Para a coordenadora do Núcleo de Cultura e Pesquisas do Brincar da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Maria Ângela Barbato Carneiro, a vivência de brincadeiras é fundamental para o desenvolvimento físico, motor, cognitivo, social e emocional das crianças.
“Elas conhecem o mundo e as relações por meio das brincadeiras, têm a possibilidade de desenvolver o raciocínio, explorar o espaço físico, encontrar possibilidades de resolução de problemas e conflitos, entre outros. Podemos dizer que o brincar é um pacote completo de desenvolvimento”, definiu.
Ela enfatizou que os pais devem estar atentos a essa necessidade da infância e precisam equilibrar o acesso a brinquedos eletrônicos, como videogames e joguinhos em tablets e celulares, à diversão cultural, ao ar livre e espontânea.
“Não se pode impedir o acesso à tecnologia, mas é preciso saber que seu uso em excesso aumenta a incidência de problemas como obesidade e isolamento em crianças. Ao contrário, as brincadeiras livres, com outras crianças, em espaços abertos, por exemplo, ajudam a formar adultos mais confiantes, criativos, bem resolvidos e menos individualistas”, disse.
Fonte: Agência Brasil