Ana Paula Henkel – 21 Agosto 2017 | 17h28 / Estadão
Com mais uma semana de conflitos raciais nos EUA e a narrativa Rússia-Trump perdendo força, pelo menos nesse momento, a máquina de propaganda do Partido Democrata, antigamente chamada de imprensa, agora aposta, lamentavelmente, todas as fichas na carta que se joga na mesa quando todas as outras parecem falhar: a carta do nazismo.
O nazismo é o mal absoluto, sem meios tons, a soma de tudo de mais repugnante e assustador que a história já produziu. O nacional-socialismo é preconceito, racismo, intolerância e brutalidade em seu estado mais bárbaro, selvagem e desumano. As imagens dos campos de concentração, dos corpos de milhões de inocentes empilhados ou jogados em covas coletivas, são lembranças que nunca podem ser apagadas das nossas memórias e de todos os defensores da paz e dos direitos humanos.
Para combater o nazismo com a força e a eficiência necessárias, é fundamental não banalizar o uso do termo, esvaziando seu significado e distorcendo suas características. Se todo mundo que você não gosta é nazista, em pouco tempo ninguém é. Tudo que os neonazistas da vida real mais querem é ser confundidos com participantes de outros movimentos pacíficos e democráticos que pouco ou nada têm a ver com eles, dando a impressão de que são muito mais fortes, numerosos e aceitos do que realmente são.
Depois da Segunda Guerra Mundial, praticamente todos os presidentes Republicanos dos EUA foram chamados de “nazistas”. Até um herói de guerra como John McCain ou um missionário mórmon como Mitt Romney eram constantemente acusados de nazistas pelo crime inafiançável de concorrer democraticamente contra Barack Obama.
Ao sugerir que os eleitores do Partido Republicano ou membros do Tea Party são fascistas ou nazistas, parte da imprensa faz com que os menos de 10 mil membros da Klu Klux Klan e dos grupos neonazistas do país se tornem muito mais difíceis de serem identificados, isolados e responsabilizados por seus atos e crimes. Usar o termo “fascista” ou “nazista” para designar qualquer um que não reze cinco vezes ao dia ajoelhado em direção a uma foto de Barack Obama é criminalizar ao menos metade da população que construiu o país mais livre da história da humanidade.
Os defensores do movimento “antifascista” americano, ou “antifa”, usam a carta do nazismo atualmente como desculpa para tudo: depredação de patrimônio público e privado, destruição de estátuas, queima de bandeiras americanas, lançamento de coquetéis Molotov e garrafas com urina na polícia, cerceamento da liberdade de expressão e violência física contra qualquer um que não seja de esquerda (ou “anarquista”, o eufemismo da moda).
Ao promover confrontos nas ruas contra neonazistas, outra face da mesma moeda autoritária, os “antifas” aproveitam para tentar destruir tudo que seja tipicamente americano, incluindo a democracia, a liberdade, as leis e a ordem pública. Nada de bom sairá disso.
A única saída para combater a intolerância é pela democracia. É cada vez mais difícil distinguir um “antifa” dos fascistas originais, como os camisas negras de Mussolini ou os camisas marrons de Hitler, ao menos para um observador não comprometido com um dos lados. A máquina de propaganda continua a se referir a eles como “justiceiros sociais”, “manifestantes anti-racismo” ou “contra discriminação”, mas em tempos de redes sociais a tarefa de esconder a verdade do público já não é tão simples.
Trump pode ser criticado por suas declarações iniciais de forma racional e construtiva, evidentemente, mas não foi o que se viu. O presidente foi acusado de ser complacente ou até simpatizante de neonazistas por ter, durante os confrontos de Charlottesville, condenado a violência dos “dois lados”. Na TV ouvimos que Trump não apenas apoiava o movimento neonazista, mas que era um deles. É uma acusação grave demais.
A filha do presidente, Ivanka, se converteu ao judaísmo para casar com Jared Kushner, o genro cada vez mais influente e visto como estopim da demissão de Steve Bannon na semana passada. Os netos do presidente, filhos de Jared e Ivanka, são judeus. Trump é apoiado pelo primeiro-ministro israelense e rezou no Muro das Lamentações em Jerusalém em maio deste ano. Se Trump é nazista, já não se fazem nazistas como antigamente.
Nós brasileiros conhecemos bem os grupos que agem como “antifas”, os auto-denominados Black Blocs, desde as manifestações de 2013. O grupo de mascarados arruaceiros vestidos de preto foi recebido nas páginas de jornal com a mesma simpatia na época. O apoio só se encerrou depois da trágica morte do cinegrafista Santiago Andrade, atingido por um rojão na cabeça em 2014. Se são estes os guerreiros “antifascistas”, o mundo precisa urgentemente de alternativas.
A parte mais visível dos movimentos “antifa” hoje é a que tem como agenda a derrubada de estátuas, lembrando os “justiceiros sociais” do ISIS e os talibãs. Alguns políticos do partido Republicano chegaram a dizer “vão acabar querendo derrubar estátuas de George Washington e Thomas Jefferson”, ambos donos de escravos. Como não se pode subestimar a estupidez humana, alguns ativistas começaram a pedir a retirada das estátuas destes que são dois dos mais importantes americanos de todos os tempos. Até uma estátua de Abraham Lincoln foi vandalizada.
A desculpa oferecida pelos justiceiros sociais para derrubar estátuas é proteger os negros das duras lembranças da escravidão. Em resposta, o eterno astro da NBA e membro do Dream Team de 1996, Charles Barkley, declarou sem meias palavras que nunca se preocupou com estátuas e que as prioridades da comunidade negra americana são outras.
Num recado direto aos ativistas de porrete ou teclado na mão, disse: “não vou perder meu tempo pensando se quero derrubar estátuas pelo país ou não, pra mim elas nunca foram importantes, e se você perguntar à maioria das pessoas negras, elas te dirão que nunca pensaram nessas estúpidas estátuas um dia sequer na vida. Vou gastar meu tempo me preocupando em fazer coisas boas para a minha comunidade, para o mundo. O que nós negros precisamos fazer é concentrar em conseguir boa educação e parar de matarmos uns aos outros nas ruas. Precisamos encontrar caminhos para mais oportunidades econômicas para a comunidade negra. Esses são pontos importantes na vida e onde gastarei meu tempo.”
A “violência do bem” é apenas a nova face do mal e, como Barkley deixou claro, não representa a comunidade negra americana. Os justiceiros sociais, das ruas ou das redações, dizem defender os negros, mas deveriam conversar mais com eles para entender melhor suas prioridades.
Da Redação