Manobras no orçamento do governo, a expressão “pedaladas fiscais” começou a ser usada por veículos de comunicação para se referir à prática de um governante atrasar pagamentos de contas.
No caso da presidente Dilma Rousseff, trata-se de atrasos nos repasses do Tesouro Nacional para bancos públicos (Caixa Econômica, Banco do Brasil e BNDES) que financiam políticas públicas como o Bolsa Família e o Plano Safra.
As pedaladas são uma das fundamentações técnicas do pedido de impeachment, assinado pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal. Para eles, houve intenção de aliviar a situação fiscal do governo, em uma espécie de “maquiagem fiscal”.
Isso acontece porque apesar de o gasto social ter de fato acontecido, ele não saiu dos cofres do governo, mas sim dos bancos públicos. Ao deixar de transferir o dinheiro para eles, o Executivo federal apresentava despesas menores do que as reais, o que dava uma impressão irreal para o mercado financeiro de que as contas estavam em dia.
O relator do processo na Câmara dos Deputados, Jovair Arantes (PTB-GO) considerou Dilma culpada de atrasos do Tesouro ao Banco do Brasil, relativos a equalização de taxas de juros no Plano Safra em 2015. Ele cita, contudo, operações semelhantes nos anos anteriores.
No Senado, o relator, senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), sustentou o afastamento com base nas pedaladas de 2015, mas também recordou manobras anteriores.
Em outubro de 2015, o Tribunal de Contas da União (TCU) abriu uma investigação após denúncia do Ministério Público junto ao tribunal para investigar as pedaladas daquele ano. Foram R$ 24,5 bilhões do BNDES, R$ 13,5 bilhões do Banco do Brasil e R$ 2,2 bilhões da Caixa.
Em dezembro, o Tesouro afirmou que quitou os valores. No caso do Plano Safra (argumento do impeachment), os valores foram pagos em janeiro, ainda dentro do prazo legal.
Quem defende o impeachment pelas pedaladas diz que usar esse mecanismo é como se governo tivesse tomado empréstimos desses bancos e autarquias, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Isso porque uma instituição financeira não pode emprestar dinheiro para um ente da federação que a controla.
O governo nega que sejam operações de crédito e tem usado exemplos do dia a dia para explicar sua interpretação das pedaladas como um simples atraso de conta. Outro argumento é que esse mecanismo é usado rotineiramente por governos estaduais e por administrações federais anteriores.
Como Dilma teria pedalado
Em contraponto ao argumento de que outros governos cometem pedaladas, os autores do pedido de impeachment alegam que Dilma atuou de forma sistemática e em um volume bem superiorao de gestões anteriores.
De acordo com dados do Banco Central, calculados por determinação do TCU, as pedaladas somaram R$ 948 milhões ao final de 2002, último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso. Ao final de 2014, o valor alcançou R$ 52 bilhões.
Durante sessão da comissão do impeachment no Senado, o procurador do Ministério Público junto ao TCU, Júlio Marcelo de Oliveira, defendeu que houve uma diferença substancial entre as pedaladas praticadas pela gestão da petista e por outros governos.
Responsável pelos pareceres técnicos do TCU nos julgamentos das pedaladas, ele defendeu que o tribunal rejeite as contas de 2015 com base na decisão referente ao balanço de 2014. O procurador chamou de “contabilidade destrutiva” a gestão do Planalto, em contraponto à “contabilidade criativa”, outra expressão usada para criticar práticas orçamentárias:
“Todo esse ambiente é resultado de contabilidade destrutiva e de fraudes fiscais. Em matéria de conta pública, criatividade é nome para fraude, é contabilidade destrutiva. Pedaladas fiscais são expressões de eufemismo, práticas gravíssimas e outras nem tão graves na vala comum, como se fossem a mesma coisa. Fatos graves que ocorreram na nação nos últimos anos.”
Em sua explanação, Oliveira sustentou que o governo começou a usar a Caixa como “cheque especial” a partir do segundo semestre de 2013. O valor devido foi quitado no final daquele ano, mas em 2014 a prática se repetiu de maneira intensificada, segundo o procurador.
Em 2015, o atraso nos repasses começou a ser registrado também com o Banco do Brasil, nas operações de crédito agrícola.
O papel do TCU
Diante das evidências de pedaladas, o Ministério Público junto ao TCU pediu ma investigação no Tesouro e demais órgãos em agosto de 2014 sobre os atrasos daquele ano.
Em 15 de abril de 2015, os ministros do TCU seguiram, de forma unânime, o voto do relator, o ministro José Múcio, e condenaram o governo. Nos cálculos do tribunal, mais de R$ 40 bilhões foram usados pelo governo das contas dos três bancos estatais a fim de aproximar as contas públicas da meta de superávit primário, a economia feita para o pagamento dos juros da dívida pública.
Neste período, a oposição intensificou as articulações para o impeachment de Dilma.
Após a decisão do TCU, o então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, classificou o episódio como uma tentativa da oposição de criar motivo para a saída de Dilma e disse que os atrasos de repasses do Tesouro começaram em 2001, ainda na gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB.
Na defesa entregue em junho, as 17 autoridades do governo federal negaram que os atrasos desrespeitaram a LRF.
Reprovação das contas
Após o julgamento sobre as pedaladas no TCU, o foco passou a ser na apreciação das contas do governo Dilma em 2014. Tanto a oposição quanto o governo pressionaram os ministro do TCU na véspera da decisão.
Em junho, o Ministério Público de Contas sugeriu ao TCU a reprovação das contas de Dilma.
Na defesa entregue ao TCU, a Advocacia-geral da União sustentou que as pedaladas não são crime fiscal e lembrou que o tribunal aprovou todas as contas federais entre 2000 e 2013, quando tal mecanismo também era adotado.
Após a análise do TCU, as contas presidenciais são analisadas pelo Congresso, que tem a palavra final na aprovação ou reprovação. Tais julgamentos estavam parados no Legislativo desde o governo do ex-presidente Itamar Franco (1992).
Relator do caso no TCU, o ministro Augusto Nardes passou a pressionar o Congresso para apreciação das contas. Em agosto, o Congresso votou, a fim de liberar a pauta para Dilma. Até hoje a Comissão Mista de Orçamento não analisou as contas de 2014. As de 2015 ainda passarão pelo TCU.
Outros casos de pedaladas
SÃO PAULO (GERALDO ALCKMIN – PSDB): O governador de São Paulo fez uso da verba oriunda da tarifa do metrô paulista para pagar dívidas contratuais com a operadora privada da linha 4-amarela e não reembolsou o caixa do metrô. A pedalada, que ocorreu desde o início comercial da linha, em 2011, gerou um prejuízo de pelo menos R$ 332,7 milhões até 2014.
AMAPÁ (CAMILO CAPIBERIBE – PSB): Em 2014, o governo do estado descontou as parcelas de crédito consignado dos servidores e não repassou o dinheiro aos bancos.Tratando-se apenas dos servidores da saúde, o governo descontou dos salários e reteve mais de R$ 11 milhões. De acordo com O Globo, a 4ª Vara Cível e de Fazenda Pública de Macapá chegou a determinar o bloqueio cautelar de bens do ex-governador Camilo Capiberibe e de seus secretários no valor da dívida até o fim daquele ano, de R$ 54,8 milhões.
PARANÁ (BETO RICHA – PSDB): O Ministério Público Junto ao Tribunal de Contas do Paraná (MPC-PR) afirmou que o governador cometeu pedaladas em 2014. De acordo com o parecer dos promotores, no orçamento do governo estadual estava previsto o superávit de R$ 2,3 bilhões, mas fecharam o ano com déficit de R$ 177,9 milhões.
GOIÁS (MARCONI PERILLO – PSDB): O Ministério Público de Contas acusou o governador de fazer uso em 2014 de empréstimo de dinheiro público para pagar despesas do dia a dia do governo. “Isso permitiu o não aparecimento de certas mazelas na campanha eleitoral. O estado não tinha caixa”, disse Fernando Carneiro, procurador junto ao Tribunal de Contas, à Folha de S. Paulo.A secretária da Fazenda de Goiás, Ana Carla Abrão Costa, nega qualquer irregularidade no orçamento. “A maior prova de que o governo de Goiás não cometeu pedaladas fiscais é que está inscrito no balanço fiscal o valor dos restos a pagar. Não houve nenhuma maquiagem no balanço. Os números estão lá de forma transparente, os resultados fiscais”, disse ao Diário de Goiás.
BAHIA (JAQUES WAGNER – PT): Em 2014, o então governador postergou os gastos de R$328 milhões com terceirizados para a contabilidade do ano seguinte, segundo informações da Folha de S.Paulo.
DISTRITO FEDERAL (RODRIGO ROLEMBERG – PSB): Em 2015, o governador usou o dinheiro dos aposentados e pensionistas para pagar outros salários, de acordo com o site Fato Online. Ele afirmou que a saúde financeira não será prejudicado, apesar de o governo deixar de depositar mensalmente R$ 240 milhões para os servidores do regime tradicional do Iprev e usará esse dinheiro para pagar os salários em dia. “O dinheiro vai de um aposentado para o outro, não chega a entrar no Tesouro”, explicou o secretário de Gestão Administrativa e Desburocratização, Alexandre Lopes ao Fato Online.
RIO DE JANEIRO (LUIZ FERNANDO PEZÃO – PMDB): Relatório de auditores do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) acusa o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) e seu antecessor, Sérgio Cabral (PMDB), de omitirem uma dívida de R$ 1 bilhão do governo estadual em 2014, de acordo com a revista Época.Com a manobra fiscal, o executivo local contabilizou um superávit de R$ 122,7 milhões. Se o débito tivesse sido incluído, o resultado seria um déficit de R$ 878 milhões.A conclusão dos auditores, no entanto, foi ignorada pelos conselheiros do TCE-RJ, que aprovaram por unanimidade as contas de Pezão e Cabral.
AMAZONAS (JOSÉ MELO – PROS): O governador José Melo “pedalou” ao mudar a finalidade de fundos e aprovar uma lei retroativa que permitiu o gasto destes valores. De acordo com a Folha, foi usado dinheiro dos fundos de Fomento ao Turismo e a Interiorização do Desenvolvimento (FTI) e de Apoio às Micro e Pequenas Empresas e ao Desenvolvimento Social do Estado do Amazonas (FMPEs) para pagar despesas correntes, como água, luz, telefone e de fornecimento de produtos dessas áreas.
CEARÁ (CID GOMES – PDT): No Ceará, o superávit do caixa do estado é feito por meio de pedaladas. De acordo com a Istoé, desde 2011, ao menos, a Fazenda estadual consegue passar a impressão de que conseguiu gastar menos, pois abate os investimentos do cálculo do resultado primário, contrariando os critérios previstos pela Secretaria de Tesouro Nacional (STN). Mas em 2014, o governo cearense recorreu a uma alternativa considerada inédita: fez uso de recursos classificados como saldo excedente do superávit primário de 2013 (o valor que ficou acima da meta) para evitar um déficit – o Estado informou ter obtido um saldo primário de R$ 455,3 milhões. Após análise do balanço de 2014, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) ajustou o número: excluindo os dois artifícios, o Ceará teria incorrido num déficit de R$ 1,5 bilhão.
MINAS GERAIS (AÉCIO NEVES E ANTONIO ANASTASIA – PSDB): O MPF , em 2015, acusou o estado de Minas Gerais de não aplicar o percentual mínimo de 12% do orçamento em ações e serviços de saúde pública. De acordo com a ação, o governo estadual mineiro, entre 2003 e 2012, descumpriu sistematicamente os preceitos legais por meio de manobras contábeis para forjar o cumprimento do percentual para saúde. Como consequência R$ 9,57 bilhões deixaram de ser investidos no serviço, o equivalente a R$ 14,23 bilhões com correção.
RIO GRANDE DO SUL (JOSÉ IVO SARTORI – PMDB): A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou em novembro de 2015 um projeto de lei que autorizou o governo de Ivo Sartori (PMDB) a antecipar a devolução dos recursos obtidos via incentivos fiscais.De acordo com o jornal Zero Hora, o texto antecipou o recebimento de R$ 334 milhões da General Motors (GM). O montante deveria ingressar nos cofres estaduais nos próximos 20 anos, mas o governador negociou a celeridade da quitação para usar o dinheiro no acerto dos salários de novembro.
Fonte: MSN