O direito de greve pode ser exercido pelos trabalhadores, sem participação do Sindicato?

Sobre o direito de greve dos trabalhadores, o advogado Professor Pacheco, escreveu no blog http://informartenews.blogspot.com.br, na última sexta-feira (18), o seguinte artigo:

Professor Pacheco, adovogado

 

“Ontem à tarde (17.05.2012), em passagem pelo acampamento dos professores da Rede Pública Estadual de Ensino, respondi de súbito, afirmativamente, a essa pergunta que me foi dirigida. A motivação da pergunta reside no fato de que o Conselho Diretor do Sindicato publicou nota informando a suspensão da greve, sem que essa decisão tenha sido aprovada em Assembleia da categoria.

Eis, a seguir, os fundamentos de minha resposta:

1. A Titularidade do Direito de Greve:

A titularidade do direito de greve é dos trabalhadores, competindo a eles decidir sobre a oportunidade e os direitos que serão defendidos (CF, art. 9º; Lei nº 7.783/1989, art. 1º e 2º).  O direito de greve é, pois, um direito subjetivo. Portanto, irrenunciável. Quando uma categoria decide pela não deflagração de uma greve iminente ou pela suspensão de uma greve em curso, o que ocorre é uma abstenção do exercício do direito de greve naquele momento específico. Mas nunca a renúncia ao direito.

Constituição Federal:

(…)

Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

Lei nº 7.783/1989 (Lei de Greve):

Art. 1º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

Parágrafo único. O direito de greve será exercido na forma estabelecida nesta Lei.

 Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador.

Daí, correto e oportuno afirmar que o Direito de greve não é do Sindicato, não pertence a nenhuma entidade de classe, integrando assim o patrimônio jurídico do próprio trabalhador. Em sendo o trabalhador, o verdadeiro titular do direito de greve, a Diretoria do Sindicato não pode decidir pela deflagração ou suspensão do movimento, um atributo exclusivo da Assembleia Geral da Categoria. Qualquer decisão nesse sentido não será juridicamente válida.

2. O Papel da Entidade de Classe no Exercício do Direito de Greve e a validade da decisão do SINTE – PI:

No Brasil, em decorrência do Princípio Constitucional da Unicidade, o que os Sindicatos possuem é o poder-dever de coordenar a greve, quando a respectiva categoria, reunida em Assembleia, decidir pela sua deflagração. Reitere-se, portanto, que no caso dos Sindicatos não há que falar em direito de greve – visto que esse não é um direito sindical – mas em prerrogativa de coordenar e operacionalizar a greve, bem como a garantia de representar a categoria no pólo da relação negocial. Por não se tratar de um direito das entidades de classe, merece destacar que o Conselho Diretor do SINTE-PI não possui poderes para suspender a greve dos professores. Compete exclusivamente aos próprios professores a suspensão do movimento, devendo fazê-lo reunidos em Assembleia Geral, convocada para essa finalidade. Nesse quadrante, o que se pode deduzir da decisão do Conselho Diretor do SINTE-PI é que a Entidade renunciou à prerrogativa de coordenar e de operacionalizar a greve, assim como a garantia de representar os grevistas em negociações futuras, que ocorram no contexto da greve.

3. O Exercício do Direito de Greve na Ausência do Sindicato da Categoria:

O direito brasileiro admite o exercício do direito de greve, sem a presença do Sindicato da categoria. Isso se encontra consignado expressamente na Lei nº 7.783/89: “Na falta de entidade sindical, a assembleia geral dos trabalhadores interessados deliberará para os fins previstos no “caput”, constituindo comissão de negociação”. E, como se trata de direito subjetivo, cujo titular é o próprio trabalhador, entenda-se por “falta de entidade sindical” não somente a “inexistência”, mas também a “ausência” da entidade.

Lei nº 7.783/1989 (Lei de Greve):

(…)

Art. 4º Caberá à entidade sindical correspondente convocar, na forma do seu estatuto, assembleia geral que definirá as reivindicações da categoria e deliberará sobre a paralisação coletiva da prestação de serviços.

§ 1º O estatuto da entidade sindical deverá prever as formalidades de convocação e o quorum para a deliberação, tanto da deflagração quanto da cessação da greve.

§ 2º Na falta de entidade sindical, a assembleia geral dos trabalhadores interessados deliberará para os fins previstos no “caput”, constituindo comissão de negociação.

Art. 5º A entidade sindical ou comissão especialmente eleita representará os interesses dos trabalhadores nas negociações ou na Justiça do Trabalho.

No caso em questão, o SINTE-PI convocou regularmente Assembleia para fixar a pauta e deliberar pela deflagração da greve, não tendo havido, entretanto, sua regular suspensão, uma vez que a Diretoria ou Conselho Deliberativo da Entidade não possui legitimidade para fazê-lo. Então, diante dessas circunstâncias, a greve formalmente continua e os professores do estado do Piauí poderão, em Assembleia, designar uma Comissão Representativa (Lei nº 7.783/1989, art. 4º, § 2º supracitado), investindo-a nos poderes de coordenação do movimento e de representação da categoria em futuras mesas de negociação, onde se discuta a pauta da greve. Cumpre ainda destacar que a Lei, inclusive, confere a essa Comissão outras garantias como, por exemplo, a legitimidade para arrecadar fundos destinados à sustentação da greve e operacionalização de suas atividades.

Lei nº 7.783/1989 (Lei de Greve):

(…)

Art. 6º São assegurados aos grevistas, dentre outros direitos:

I – o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve;

II – a arrecadação de fundos e a livre divulgação do movimento.

4. O Direito de Greve dos Servidores Públicos:

A Constituição Federal consagrou a legitimidade do Direito de Greve a todos os trabalhadores. Entretanto, fez a ressalva de que, no âmbito da Administração Pública, o exercício desse direito careceria de uma Lei específica a ser instituída posteriormente (CF, art. 37, VII).

Constituição Federal:

Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte

(…)

VII – o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica;

(…)

Como o Congresso ainda não legislou a respeito, o Supremo Tribunal Federal, numa decisão lapidar, reconheceu como legítimo o exercício do direito de greve dos servidores públicos, quando observados os termos da Lei nº 7.783/2009, até que lei específica tratando desse assunto venha a ser votada, sancionada e publicada, conforme previsto na Constituição. Diante desse posicionamento da STF, os servidores públicos podem exercer seu direito de greve, desde que observem os dispositivos da referida Lei de Greve, antes restrita às relações de trabalho privadas.

5. O que fazer no caso em questão:

Respondida à questão de modo afirmativo, com a demonstração de que é juridicamente possível o exercício do direito de greve sem a presença de Sindicato, a pergunta que agora se coloca é: que fazer no caso específico dos professores do estado do Piauí e nas circunstâncias em que se encontram?

Falando no campo das probabilidades, entendo que os professores, independente da vontade e da decisão da Diretoria do SINTE-PI, podem reunir-se em Assembleia Geral e – verificando em votação majoritária a vontade da categoria de manter a greve – tomar as seguintes medidas: a) ratificação das decisões tomadas em Assembleias anteriores, convocadas pelo SINTE-PI, tanto em relação à deflagração da greve quanto à sua continuidade; b) continuação da greve; e c) constituição de uma Comissão de Negociação, sem prejuízo de outras decisões de natureza organizativa e operacional. Em seguida, deverão comunicar tais decisões às autoridades (Governador e Secretário de Educação) e cuidar da divulgação e da mobilização para que a greve se mantenha com a adesão da categoria, pois antes, e muito longe, de constituir um imbróglio jurídico, a greve precisa ser um fato incontestável.

Essa é minha opinião, salvo melhor juízo.

Por: Professor Pacheco, advogado e professor