LIMA – Há um antes e um depois da Lava-Jato na América Latina. A gigantesca investigação de corrupção tem como ponto de partida o Brasil, mas rapidamente se espalhou para outras nações na região, sobretudo a partir do fim de 2016, quando a construtora Odebrecht reconheceu às autoridades americanas que pagou suborno nos países onde operava. Quando a empreiteira fez a confissão, o Departamento de Justiça dos EUA se reuniu e qualificou o caso como o maior suborno de empresa estrangeira na história.
A relevância da investigação da Odebrecht é tamanha que promotores e procuradores-gerais de 10 países da América Latina e de Portugal concordaram em realizar ação coordenada. As apurações comprometem ex-funcionários da empreiteira em vários países. Mas também atingem pessoas que faziam parte do círculo mais exclusivo do poder: os ex-presidentes. Existem vários envolvidos na Lava-Jato. Mas há também uma série de ex-presidentes questionados ou investigados em outros escândalos. Todos agora fazem parte do clube dos ex-presidentes com problemas.
No Peru, há três ex-presidentes ligados à Lava-Jato: Alejandro Toledo, Alan García e Ollanta Humala. Toledo (2001-2006) é o que tem a situação mais complicada. Embora tenha sido eleito com a marca de inimigo da corrupção, ele é acusado de ter recebido US$ 20 milhões da Odebrecht para a licitação da rodovia Interoceânica Sur, a estrada que liga Peru com o Brasil. Como parte do inquérito sobre a obra, o Judiciário ordenou 18 meses de detenção para Toledo. Há poucos dias, ele também foi condenado em um processo relacionado à compra de imóveis. Ele não cumpre as decisões judiciais porque está foragido nos Estados Unidos.
Alan García, o sucessor de Toledo como presidente, é investigado, ainda que de forma preliminar, pela promotoria por supostas propinas recebidas da Odebrecht. O inquérito envolve recebimento de suborno da construtora para ganhar a disputa pela construção da Linha 1 do metrô de Lima, caso no qual ex-funcionários de seu segundo governo estão presos.
Ollanta Humala (2011-2016) é outro ex-presidente em uma situação difícil. Em sua delação, Marcelo Odebrecht revelou que a empresa da família deu US $ 3 milhões para a última campanha presidencial de Humala. O líder do Partido Nacionalista é investigado por contribuições recebidas nas campanhas eleitorais de 2006 e 2011.
Há dois outros ex-presidentes peruanos que não estão relacionadas com a Lava-Jato, mas que foram condenados pela Justiça. Um deles é Alberto Fujimori, condenado por vários crimes cometidos durante seu mandato (1990-2000). Atualmente, ele cumpre suas sentenças. A maior delas é de 25 anos de prisão. O outro é o ex-presidente Francisco Morales Bermúdez (1975-1980). Este último foi condenado, mas na Itália. No final de janeiro, um tribunal italiano o condenou à prisão perpétua por seu envolvimento na Operação Condor, que perseguiu opositores da ditadura nos países da América do Sul. Ainda assim, ele permanece livre no Peru.
Em ocasiões diferentes, todos os ex-presidentes do Peru rejeitaram ou negaram as acusações.
CRISTINA, A MAIS INVESTIGADA NA ARGENTINA
Na Argentina e em El Salvador, há também ex-presidentes em apuros, mas não por envolvimento com a Lava-Jato. Desde o retorno à democracia em 1983, Cristina Kirchner (2007-2015), com 22 anotações criminais, é a ex-presidente do país com o maior número de investigações, seguida por Carlos Menem (1989-1999). Ele ainda tem duas condenações a 4 e 7 anos de prisão, ainda em fase de recurso.
Kirchner não tem contra si condenações da Justiça, porém seus bens estão congelados e ela não pode deixar o país sem uma autorização judicial. Ela não pode nem mesmo fazer uso da pensão como ex-presidente, a que tem direito.
Em El Salvador, há dois ex-presidentes questionados pela Justiça. Antonio Saca (2004-2009) foi acusado de comandar uma rede de lavagem de dinheiro durante o seu mandato, que teria ocultado a origem de pelo menos US$ 246 milhões. Ele também é acusado de obter milhões por meio de enriquecimento ilícito. Ele está atualmente detido.
Seu sucessor, Mauricio Funes (2009-2014), que pertence à FMLN, partido que representava ex-guerrilheiros de El Salvador, também é acusado de ter recebido dinheiro ilícito e está sendo processado. Uma avaliação da herança de Funes e de seus parentes próximos aponta uma disparidade de US$ 728.329 em relação aos bens. Ao contrário de Saca, Funes recebeu asilo na Nicarágua.
No México e na Colômbia, há ex-presidentes acusados, porém eles se livraram de condenações.
Luis Echeverría (1970-1976), o único ex-presidente da história moderna que enfrentou um tribunal no México, foi acusado de genocídio relacionado a dois eventos históricos: o massacre de Tlatelolco e ainda pela matança de estudantes, conhecida como ‘El Halconazo’. Ele escapou da última acusação, mas não da primeira. Em 2006, quando tinha 84 anos, foi preso por Tlatelolco. Por conta de sua idade, ele recebeu prisão domiciliar, mas, em 2009, um tribunal o absolveu por falta de provas. Agora, aos 95, ele vive na casa onde ele esteve preso.
Já o colombiano Ernesto Samper foi denunciado por um suposto financiamento de sua campanha, em 1994, pelo cartel de Cali. A Câmara dos Deputados de seu país decidiu excluí-lo do caso, considerando que não havia nenhuma evidência direta de que Samper, como candidato, sabia da contribuição de US$ 5 milhões do tráfico de drogas. No entanto as investigações e condenações sobre o caso já atingiram 25 congressistas e um procurador-geral colombiano.
TODOS OS EX-PRESIDENTES VIVOS DO BRASIL
No Brasil, os cinco ex-presidentes vivos foram citados em depoimentos de ex-executivos da Odebrecht na delação provocada pela Operação Lava-Jato.
O ex-presidente Lula (2003-2010) é figura central. O líder petista é réu em cinco processos derivados do caso por crimes como corrupção ou lavagem de dinheiro. O mais avançado é aquele no qual é acusado de receber vantagens da construtora OAS. Nas denúncias formalizadas nos tribunais brasileiros, ex-executivos da Odebrecht confirmaram que planilhas com a inscrição “Amigo” se referiam a ele. Marcelo Odebrecht afirmou que deu a Lula pouco mais de US$ 4 milhões, entre 2012 e 2013, e, em 2010, disse que abriu uma conta com R$ 40 milhões para despesas pessoais. A Lava-Jato também avança sobre a ex-presidente Dilma Rousseff (2011-2016). O Ministério Público investiga alegações de obstrução da Justiça para tentar proteger o ex-presidente Lula.
Lula e Dilma negam veementemente o recebimento de qualquer dinheiro ilícito.
Os delatores da Odebrecht também afirmam que fizeram pagamentos ilícitos ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), recursos que teriam sido utilizados nas campanhas presidenciais em 1994 e 1998. Em nota, FH nega as acusações e diz que “falta objeto a ser apurado”.
José Sarney (1985-1990) é outro ex-presidente acusado de receber propina. Em 2015, um ex-aliado, apontado como operador do PMDB, disse que os principais líderes do partido, receberam subornos. Entre os citados estava o ex-presidente. Nas revelações de Odebrecht, Sarney aparece como receptor de propina para a construção de uma via férrea. Sarney ainda está sob investigação por suposta obstrução da Justiça ao tentar usar sua influência política para proteger um aliado. Ele também nega as acusações.
Quanto a Fernando Collor de Mello (1990-1992), ele foi denunciado pelo procurador-geral brasileiro. Collor, submetido a um processo de impeachment em 1992, é acusado de receber pouco mais de US $ 8 milhões em dinheiro e depósitos para influenciar contratos de uma subsidiária da Petrobras. Ricardo Pessoa, que presidiu a empresa de construção UTC, envolvido no Lava-Jato, deu detalhes sobre os pagamentos.
Fonte: O Globo