Em artigo, advogado afirma que PL que cria a disciplina de Ética e Cidadania nas escolas de José de Freitas é inconstituicional

Após ler na imprensa local sobre a proposição de um Projeto de Lei que cria uma disciplina a ser incluída no currículo das escolas públicas e privadas no município de José de Freitas-PI, de autoria do vereador Tiago Pinto (PP), o advogado Diego Robert Silva Freire escreve artigo atestando a inconstitucionalidade do projeto. O advogado também usou uma rede social para emitir seu parecer sobre o assunto. Segundo ele, a ideia é boa, porém, inconstitucional.

Advogado Diego Robert

Leia, a seguir, a íntegra do artigo:

“A Inconstitucionalidade do Projeto de Lei Municipal nº 1.344/2017: Breves Reflexões

No presente artigo irei abordar os principais aspectos da inconstitucionalidade do Projeto de Lei Municipal nº 1.344/2017, de autoria parlamentar da Câmara Municipal de José de Freitas. Este projeto, apesar de ter bons propósitos, não encontra sustentação na Constituição do Estado do Piauí, na Constituição Federal e nem na Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

Em suma, o projeto estabelece que as escolas públicas municipais e privadas de ensino médio e fundamental, de forma não obrigatória, ficam autorizadas a ministrar a disciplina Ética e Cidadania aos alunos regularmente matriculados.

Ainda segundo o projeto de lei já mencionado, a Secretária Municipal de Educação tomará as medidas necessárias para a implementação do presente dispositivo, em especial, as que tratem de conteúdo programático, carga horária e fiscalização do efetivo cumprimento da presente lei.

De todo modo, cumpre analisar se, ao instituir disciplina a ser cumprida pelas escolas situadas no Município de José de Freitas, o projeto de lei cuja iniciativa foi do Poder Legislativo Municipal, violou regra da tripartição dos poderes, constituindo ingerência indevida na esfera de atuação do poder executivo e da competência legislativa.

Nos termos do artigo 30, inciso I, da Constituição Federal, compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local, apresentando competência suplementar, ou seja, de completar a legislação federal, adaptando-a às peculiaridades locais.

No exercício da competência suplementar, não pode o município inovar no ordenamento jurídico, devendo respeitar os princípios traçados pela Carta Magna.

No mesmo sentido, é o que consta no artigo 22, I, II, da Constituição Estadual do Piauí, in verbis:

Ao município compete legislar:

I – sobre assuntos de interesse local;

II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber.

Nesta toada, dispõe o artigo 14 da Constituição Estadual do Piauí:

Compete, ainda, ao Estado:

I – concorrentemente com a União, legislar sobre:

(…)

  1. educação, cultura, ensino e desportos;

Contudo, ao incluir na grade curricular do ensino fundamental e médio das escolas municipais e privadas a disciplina “Ética e Cidadania”, o poder legislativo interferiu em matéria tipicamente administrativa, da competência exclusiva do Poder Executivo, relativa à Educação em consonância com o Princípio da Simetria.

Frisa-se que, além de disciplinar sobre questão cuja competência era privativa do chefe do executivo, o projeto de lei determina que a Secretária Municipal de Educação tome as medidas necessárias para a efetivação da presente lei, adentrando em questões de cunho administrativo.

Nesse particular, o ato normativo passa a impor obrigação à Administração Pública local, interferindo diretamente na Gestão Administrativa.

Em apertada síntese, cabe nitidamente à Administração Pública, e não ao legislador municipal, deliberar a respeito da matéria.

Ratifica-se, assim, a inconstitucionalidade formal do projeto de lei questionado, por violação de competência do poder executivo e ao princípio da tripartição dos poderes.

Com efeito, as grades curriculares a serem cumpridas pelas escolas de ensino fundamental e médio devem observar o disposto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, editada pela União, em estrita observância à competência traçada na Constituição Federal.

Desse modo, não pode o Legislativo Municipal estabelecer disciplinas distintas das estabelecidas pela Lei Federal, no que concerne à grade curricular a ser cumprida pelas escolas municipais, haja vista a lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996 – LDB, não ter dispositivo que autorize os municípios a implantar tais matérias no seu sistema de ensino.

Embora seja permitida a regulamentação da lei federal para adaptá-la às peculiaridades locais, bem como para esmiuçar a forma pela qual a grade curricular seria cumprida, tal disciplina deve ser realizada pelo Poder Executivo, sendo proibida a ingerência do Legislativo nessas questões.

Nesse sentido, eis a jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI 10.422/12 DO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE – ESTABELECIMENTO DE DISCIPLINA A SER CUMPRIDA NAS ESCOLAS MUNICIPAIS – COMPETÊNCIA SUPLEMENTAR DO MUNICÍPIO – COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO PODER EXECUTIVO – VÍCIO DE NATUREZA FORMAL – INCONSTITUCIONALIDADE. – A iniciativa para a propositura de lei que verse sobre matéria de cunho eminentemente administrativo, afeta ao juízo de discricionariedade da Administração, é privativa do Poder Executivo, sendo inconstitucional a lei proposta pelo Legislativo que trate sobre essas questões. – A grade curricular a ser cumprida pelas instituições de ensino é estabelecida pela União Federal, competindo ao Município apenas esmiuçar sua aplicação, adaptando-a para as peculiaridades locais. – A competência para regulamentar a aplicação da Lei Federal é do Poder Executivo, sob pena de ingerência indevida do Legislativo sobre o Executivo e violação ao princípio da tripartição de poderes. – Declaração de inconstitucionalidade da Lei 10.422/12, do Município de Belo Horizonte. – Representação procedente.

(TJ-MG – Ação Direta Inconst: 10000130249154000 MG, Relator: Heloisa Combat, Data de Julgamento: 26/03/2014, Órgão Especial / ÓRGÃO ESPECIAL, Data de Publicação: 15/04/2014).

E também a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo acolhe os fundamentos ora sustentados:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI MUNICIPAL Nº 3.696/2014 – Município de Mirassol – iniciativa parlamentar – LEI QUE DISPÕE SOBRE A obrigatoriedade da educação política e social no currículo escolar das Escolas da rede municipal de ensino de Mirassol e dá outras providências – Invasão da competência reservada ao Chefe do Poder Executivo – Ingerência na Administração do Município – Vício de iniciativa configurado – Violação ao Princípio da Separação de Poderes – Criação de despesas sem a indicação da fonte de custeio – Violação dos artigos 5º, 24, § 2º e 2, 25, 47, II e XIV, 144 e 176, I, Da Constituição do Estado DE SÃO PAULO – Precedentes – Inconstitucionalidade reconhecida.

(TJ-SP – ADI: 20170447620158260000 SP 2017044-76.2015.8.26.0000, Relator: João Negrini Filho, Data de Julgamento: 16/09/2015, Órgão Especial, Data de Publicação: 17/09/2015).

Por fim, entendo que o presente exposto toca o tema na abrangência de toda sua inconstitucionalidade. De fato, caberiam muitas outras laudas a discorrer sobre o tema, mas creio que nesse breve artigo, conseguirei auferir êxito. O texto de lei é por si só inconstitucional, cada artigo seu fere o princípio da tripartição e independência dos poderes.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, DF, Senado, 1988. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 10. nov. 2017.

BRASIL, Lei 9.394, de 20 de Dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, 1996.Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm>. Acesso em: 10/11/2017.

PIAUÍ, Constituição do Estado do Piauí, PI, Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, 1989. Disponível em:<http://www.tjpi.jus.br/site/uploads/legislacao/geral/1.pdf>. Acesso em: 10/11/2017.

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 20170447620158260000 SP 2017044-76.2015.8.26.0000, Relator. João Negrini Filho, Data de Julgamento: 16/09/2015, Órgão Especial, Data de Publicação:17/09/2015.Disponívelem:<https://tjsp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/234181729/direta-de-inconstitucionalidade-adi-20170447620158260000-sp-2017044-7620158260000/inteiro-teor-234181749>. Acesso em: 10/11/2017.

MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 10000130249154000, Relator: Heloisa Combat, Data de Julgamento: 26/03/2014, Órgão Especial, Data de Publicação: 15/04/2014. Disponível em:<https://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/120503850/acao-direta-inconst-10000130249154000-mg/inteiro-teor-120503889?ref=juris-tabs>.Acesso em:10/11/2017.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Subprocuradoria Geral de Justiça. Controle de Constitucionalidade. Disponível em: <http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Assessoria_Juridica/Controle_Constitucionalidade/Adins_PGJ_Iniciais2016/45C12A4FE06B56BDE050A8C0DE015086>. Acesso em: 10/11/2017.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Subprocuradoria Geral de Justiça. Controle de Constitucionalidade. Disponível em: <http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Assessoria_Juridica/Controle_Constitucionalidade/ADIns_3_Pareceres/ADIN-16003602_14-04-08.htm>. Acesso em: 10/11/2017.”

Por Diego Robert Silva Freire – Advogado

Veja abaixo o texto do projeto:

Da Redação