Um ambiente escolar extremamente competitivo – e voltado para testes de ingresso na universidade – está prejudicando a vida de muita gente. O diagnóstico não partiu de educadores indulgentes ou de adolescentes preguiçosos: mereceu um editorial da prestigiosa revista Science, publicação da Associação Americana para o Avanço da Ciência.
A autora, Deborah Stipek, da Faculdade de Educação da Universidade Stanford, em Palo Alto, na Califórnia, estuda a motivação dos jovens no ambiente escolar há 35 anos.
Na terça-feira passada, durante uma entrevista, ela recordou o dia em que a sua filha chegou em casa, comemorando: ‘Nunca mais vou estudar francês.’ A garota tinha acabado de fazer uma prova que a auxiliaria a concorrer a uma vaga no sistema de ensino superior americano. ‘Ficou claro que não estava interessada em dialogar com outras culturas, em viajar ou em adquirir uma habilidade útil para a vida’, pondera Deborah.
Para a pesquisadora de Stanford, os jovens são treinados para obter um excelente desempenho em testes de múltipla escolha. Também são animados a enfeitar seu incipiente currículo com atividades esportivas ou cívicas que rendam um perfil atraente aos olhos das principais universidades do Estados Unidos, como Harvard, Colúmbia, a própria Stanford. Nada contra o desempenho extraordinário nos exames ou contra atividades fora das quatro paredes da sala de aula. Mas Deborah aponta que há algo de aberrante na educação focada em resultados mensuráveis, currículos e rankings.
Segundo ela, em nome da eficácia administrativa da preparação para os exames, sufocam-se, por exemplo, a alegria do aprendizado, uma visão construtiva dos próprios erros e a formação de uma personalidade madura e equilibrada.
Um sistema racional – pois ninguém pode negar que atinge seu objetivo principal: produzir especialistas em provas -, mas pouco razoável. Afinal, ‘prejudica vidas que poderiam ser promissoras de outra forma’, como afirma textualmente o editorial.
Filme. A autora não esconde sua fonte de inspiração: um documentário lançado há um ano nos Estados Unidos, em que ela mesma foi entrevistada. O título do editorial na Science (‘Educação não é uma corrida’) representa uma clara referência ao título do documentário: Corrida para Lugar Nenhum.
A obra cinematográfica não está sendo exibida nas grandes salas – apesar do interesse das distribuidoras -, mas em escolas, universidades e igrejas. Depois das sessões, é comum que se organizem discussões públicas.
A ideia do documentário, ainda pouco conhecido no Brasil, partiu de Vicki Abeles, uma advogada sem experiência com câmeras. Ela percebeu na filha o efeito do estresse escolar e decidiu registrar sua visão do problema.
A obra lhe rendeu certa notoriedade. Foi ao programa de entrevistas de Oprah Winfrey, na TV americana. Também visitou o presidente americano Barack Obama, na Casa Branca.
Soluções. Para Deborah, não bastariam mudanças pontuais. Seria necessário alterar o modo como funcionam universidades, colégios e até mesmo famílias.
A coordenadora do Centro de Pesquisas sobre a Infância e a Adolescência da Unesp de Araraquara, Maria Beatriz de Oliveira, concorda. ‘A situação descrita pelo editorial da Science se aplica perfeitamente à realidade brasileira dos vestibulares’, afirma a psicopedagoga.
‘Normalmente, a pressão mais forte ocorre dentro de casa’, aponta Maria Beatriz. Alguns pais criam um sonho para o futuro dos filhos e pretendem realizá-lo a qualquer custo. ‘Passei as últimas duas décadas explicando para pais que seus filhos não terão fracassado se não passarem no vestibular concorrido de certas universidades.’
‘Sucesso na vida não requer um diploma em uma das dez universidades (de maior prestígio)’, confirma Deborah. ‘Precisamos ensinar aos pais a vantagem de um rol maior de universidades na sua lista de opções.’
Ver a educação como um produto, e não como um processo, seria a raiz dos males, segundo Maria Beatriz. ‘Você deixa de olhar para o bem da pessoa concreta e começa a se preocupar só com resultados’, aponta.
Fonte: estadão